No futuro teremos cidades mais inteligentes. Uma consequência direta do vertiginoso ritmo de inovação tecnológica a que assistimos. No entanto, prevê-se que estas "smart cities" sejam simultaneamente mais sustentáveis e mais silenciosas, duas características de um futuro da urbanização que terá na cortiça um grande aliado. É caso para dizer: silêncio que vamos falar de cortiça!
A poluição sonora nas cidades europeias é um problema ambiental sério, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde. Em áreas urbanas, o tráfego, rodoviário, ferroviário e aéreo, e a indústria, são as principais fontes de poluição (EEA Report: Environmental noise in Europe, 2020). No entanto, não sendo este um problema novo, há várias décadas que a indústria da construção procura soluções para o combater, e nessa luta a cortiça é uma velha aliada. Para percebermos o porquê temos de observar esta matéria-prima mais de perto, pois as razões revelam-se a um nível microscópico: a cortiça é constituída por uma estrutura microscópica semelhante a uma colmeia, preenchida por um gás semelhante a ar e maioritariamente revestida por suberina e lignina. Este alto conteúdo gasoso em cada célula é responsável pela extraordinária leveza da cortiça. A associação destas células, como se fossem pequenas almofadas agregadas, é responsável pela sua compressibilidade e elasticidade, características que permitem que a cortiça tenha uma performance excecional ao nível da absorção sonora. O mecanismo de absorção sonora consiste na existência de poros e intervalos entre ligações dos materiais, que são os responsáveis pela dissipação da energia sonora, sob a forma de ondas mecânicas no seu interior. Qualquer aplicação construtiva onde estas características sejam valorizadas é um bom encaixe para a cortiça, como por exemplo: o controlo de vibrações nos edifícios, ou isolamento na transmissão de som.
Mas deixemos o nível microscópico e entremos na parte prática. A cortiça pode estar presente no apartamento que acabamos de comprar, no escritório da nossa empresa, ou no edifício público do outro lado da rua, sem nos apercebermos. Entre paredes e debaixo do nosso nariz, ou melhor, dos nossos pés. Ao nível do solo, a cortiça oferece uma performance elevada com uma espessura reduzida, protegendo o piso do edifício, garantindo a capacidade de resistência a cargas repetidas altas, de duração curta. As mantas acústicas (underscreed) são disso exemplo. Aplicadas em salas verticais adjacentes, permitem a redução da transmissão do som de impacto, bem como alcançar o conforto acústico necessário no edifício. Outra aplicação onde a cortiça é igualmente valorizada é na base de apoio das paredes, prevenindo a propagação de baixas frequências no edifício, devido ao desacoplamento dos elementos.
Dependendo do tipo de aplicação, existem no mercado materiais concorrentes de base sintética ou inorgânica, que podem competir com a cortiça. Materiais à base de borrachas ou de espumas, que assumiram o domínio do mercado global, pois aliam à performance o fator baixo-custo. No entanto, nos últimos anos o cenário tem vindo a mudar devido ao aumento da exigência no que diz respeito aos impactos negativos destes materiais sintéticos na saúde humana, causados pela libertação de componentes voláteis. Por essa razão, o uso destas soluções sintéticas tem perspetiva de declínio em vários países, impulsionado ainda por um outro fator chave, que vem revolucionar o futuro da construção das nossas cidades: o fator sustentabilidade. Cada vez mais uma preocupação do consumidor, das sociedades, das instituições governamentais e entidades reguladoras. Neste contexto, a cortiça tem muito para oferecer. Distingue-se por introduzir uma componente natural numa área demasiado dependente de materiais sintéticos, aliando à performance a sustentabilidade a longo prazo, não só pela sua pegada carbónica negativa, mas pelo facto de não considerar componentes químicos prejudiciais à saúde. Mais qualidade de vida, menos impacto ambiental. Assim serão as cidades com cortiça.
Embora este seja um artigo sobre silêncio, quando falamos do impacto da cortiça na qualidade de vida da sociedade em contexto urbano, seria ensurdecedor limitarmo-nos a falar na performance acústica do material. A cortiça é valorizada na área da construção por muitas outras características, nomeadamente, o facto de ser um excelente isolante térmico, resistente ao fogo e ao atrito. A estas vantagens alia ainda o facto de ser um material agradável ao toque, que promove o conforto e é esteticamente atrativo. Não será por isso de estranhar que é cada vez mais um material de eleição de grandes nomes da arquitetura e do design mundial.
Mas para responder às necessidades cada vez mais exigentes destes mercados e consumidores, sem colocar de lado o fator sustentabilidade, é necessária investigação e inovação. Estes são os pilares fundamentais que permitem a cada dia a cortiça ir mais longe. São disso exemplo as combinações de cortiça com polímeros de diferentes origens. Um passo que permitiu não só multiplicar exponencialmente o potencial de aplicação da cortiça, mas também agarrar o caminho da economia circular, uma área onde a Amorim Cork Composites (ACC), unidade de compósitos de cortiça da CA, é pioneira e líder. Exemplo disso são os projetos realizados nos quatro cantos do mundo, como o é o caso do Hotel Four Seasons, em Bangkok, onde para satisfazer os elevados padrões de desempenho acústico previstos no projeto do edifício foi aplicado um underscreed de cortiça com borracha reciclada em toda a área do hotel. Por sua vez, no caso do Terminal de Cruzeiros de Lisboa, desenhado pelo arquiteto Carrilho da Graça, a Amorim Cork Composites, em parceria com a Secil e a Universidade de Coimbra, desenvolveu um tipo de betão branco estrutural leve com granulado de cortiça, usado nas fachadas do edifício. O composto permitiu reduzir o peso da estrutura do edifício, mantendo a resistência da estrutura, e melhorando o seu conforto e eficiência energética.
O facto da cortiça ter uma pegada de carbono negativa impacta ainda positivamente qualquer análise de ciclo de vida de um produto e, o mais importante de tudo: impacta positivamente o planeta.