No final dos anos 90, os novos países produtores de vinho (Califórnia, Chile, Argentina, Austrália e Nova Zelândia) começaram a substituir as tradicionais rolhas de cortiça por vedantes de plástico ou metal, como forma de diminuírem o risco de vinho com sabor “encortiçado” (“cork taint” ou TCA), impróprio para consumo.
A Corticeira Amorim e as principais empresas e associações portuguesas do sector da cortiça desenvolveram uma estratégia baseada em três vertentes: (i) investigação e desenvolvimento, (ii) modernização dos procedimentos de fabrico e (iii) comunicação aos consumidores da essencialidade do valor económico da rolha de cortiça para a sustentabilidade do montado de sobro e de toda a vida selvagem e humana a ele associada.
E foram os consumidores, os clientes, as organizações estatais e as ONGs, entusiasmados com as qualidades naturais da cortiça e importância ecológica e social do montado, que passaram a exigir a rolha de cortiça, invertendo a tendência dos novos produtores de vinho. Preocupados com a sustentabilidade, com a minimalização do uso de materiais tóxicos, com a emissão de resíduos e poluentes e em não comprometer as necessidades das gerações futuras, foram estes stakeholders que contrariaram a vaticinada morte do setor corticeiro.
Ficou demonstrado que a empresa societária é um conceito sistémico, cuja viabilidade depende de toda uma conjuntura que a envolve. Na verdade, na prossecução do seu interesse social, a empresa tem de ter em conta os interesses não só de todos os seus acionistas (shareholders), mas também dos diversos outros interessados que gravitam à sua volta: os participantes ou partes interessadas (stakeholders). Todos eles têm um especial interesse na empresa porque, de alguma forma, a sua situação económica depende do desempenho da empresa: os acionistas querem receber dividendos e valorizar as suas ações; os gestores e os trabalhadores querem receber as suas remunerações; os fornecedores querem vender bens, serviços e mercadorias; os credores querem receber os juros e obter o reembolso dos créditos; os consumidores querem comprar os bens e serviços que necessitam; e o Estado quer cobrar os seus impostos, criar empregos e fortalecer a economia do país e a comunidade no seu conjunto.
É aqui que entra o conceito de sustentabilidade, entendida como o propósito de uma estrutura empresarial em gerar, no longo prazo, retorno para acionistas e demais participantes, ou seja, a preocupação, por todos partilhada, em garantir a viabilidade futura da empresa. Sustentabilidade significa sobrevivência, perduração da empresa no longo prazo, possibilitando a repartição de valor na sua continuidade, sendo este o interesse comum a todos os participantes da empresa (shareholders e stakeholders).
A preocupação com a sustentabilidade, neste prisma, é uma mudança radical no pensamento da empresa, pois determina que esta, além a estar atenta à vertente económica, passe a valorizar, também, as vertentes social e ambiental da sua atividade, deslocando a tradicional primazia dos acionistas (shareholders) para a sustentabilidade do negócio (a business sustainability). Passa a ser necessário conciliar a boa prossecução do seu objeto social lucrativo com a sua sustentabilidade ou viabilidade futura, harmonizando os aspetos económicos, com as dimensões sociais e ambientais. É a chamada triple bottom line: em vez da tradicional Linha de Base Económica (que é o lucro), passamos para a Tripla Linha de Base da Sustentabilidade (que comporta o lucro, a equidade social e a salvaguarda ambiental).
Sustentabilidade é gerar retorno e garantir a perenidade das empresas, do trabalho e das comunidades. Trata-se de um equilíbrio difícil, pois só a harmonia e confluência entre os diversos interesses dos shareholders e stakeholders, a sua credibilidade e a transparência junto dos mercados e da comunidade poderão garantir a sustentabilidade da empresa no longo prazo. Uma empresa sustentável cria parcerias inovadoras, rentáveis e duradouras, o que lhe confere mais capacidade para se adaptar a novas situações, antecipando-se aos concorrentes.
Esta perspetiva implica uma orientação de longo prazo e uma compreensão da evolução externa, com permanente adaptação da empresa à realidade envolvente, pois os sócios não são os únicos sujeitos determinantes para a empresa, nem os únicos que suportam os riscos inerentes. No fundo, a sustentabilidade incorpora uma nova visão da gestão do risco: não apenas do risco financeiro, mas também dos riscos sociais e ambientais, que são hoje valorizados monetariamente pela economia de mercado e eticamente pela comunidade e pelo Direito. Significa isto, que os stakeholders, em certa medida, podem agir como um poderoso fator de controlo do risco das empresas.
Caberá, pois, à corporate governance o desenvolvimento de um modelo ou sistema governativo adequado a cada empresa, considerando o interesse social e o papel de todas as partes interessadas da sociedade (“stakeholders”) de forma a maximizar o seu desempenho e sustentabilidade. Esse modelo governativo consistirá num conjunto de normas legais e de regras e boas práticas que estruturam a gestão da empresa e seu relacionamento com os respetivos stakeholders.
Atenta à importância da sustentabilidade, a governação societária tem vindo a evoluir no sentido de fundamentar organizações societárias sólidas, viáveis e duradouras, sendo uma componente fulcral na melhoria da eficiência, do crescimento económicos e da confiança do investidor. Aquilo que era visto como uma exigência exógena (sustentabilidade por razões ambientais), passa a incorporar a dimensão mais endógena da corporate governance, onde são alinhados os diversos «interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor económico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum»* . Isto reflete uma mudança de paradigma da governação societária: no passado baseada na primazia dos shareholders ou, na ausência destes (por disseminação do capital ou inativismo), na primazia do management, agora recentrada no primado da sustentabilidade da empresa ou do seu negócio, ou seja, na business sustainability. O tema central da corporate governance é já a SUSTENTABILIDADE, pois as empresas societárias existem com o propósito de continuarem a existir! E, também por isso, a sustentabilidade é um caminho, mais do que um destino.
*Definição do Instituto Brasileiro de Governação Societária