De São Brás de Alportel para o mundo, a Casa Barreira é um dos players mais relevantes na produção de cortiça, e uma referência no setor. Para José Maria Guedes que, depois de um percurso na área dos seguros, assumiu, há mais de uma década, a gestão da empresa da família, esse legado é motivo de grande orgulho, mas também sinónimo de um enorme compromisso. Para o gestor e produtor florestal, esse lugar de referência ocupado pela Casa Barreira reveste-se de um «significado de respeito, responsabilidade e orgulho pelos nossos antepassados» que lhe cabe salvaguardar.
«Construíram um património que temos de cuidar, respeitar e aumentá-lo se possível», conclui. Regressar à empresa da família e contribuir para a construção do seu futuro é um desafio que José Maria Guedes abraça com convicção e, é preciso dizê-lo, naturalidade. Afinal, as raízes que o ligam à cortiça e ao sobreiro, são profundas: «As primeiras memórias desta árvore são do tempo de infância, quando ia ao campo com o meu pai e o meu avô para o Alentejo durante as férias assistir à extração de cortiça e ao empilhamento. São também do tempo quando íamos negaçar aos pombos, onde procurávamos qual o melhor sobreiro para armar aos pombos, pois tinha de ser um sobreiro com porte, muita ramagem e bolota.»
Tal como o sobreiro, a história da Casa Barreira é, em muitos aspetos, uma história de resiliência e adaptação. À criação de uma unidade industrial de transformação de cortiça em São Brás de Alportel, na viragem do século XIX para o século XX, segue-se a aventura dos irmãos José e João Barreira, que emigram para os Estados Unidos da América onde se estabelecem durante cerca de dez anos, desenvolvendo inúmeros contactos no mercado da exportação da cortiça.
Regressam a Portugal com uma forte visão empreendedora e dão um novo impulso ao negócio, que haveria de crescer nas décadas seguintes, até que o pequeno grupo familiar se transforma num dos principais agentes económicos no setor da cortiça e num dos principais produtores florestais de cortiça a nível mundial. Posição que mantém até hoje, a partir das propriedades que, no seu conjunto, atingem os 22 mil hectares, 15 mil dos quais florestais.
Os grandes desafios
Neste percurso, houve grandes desafios que, segundo José Maria Guedes, foram ultrapassados pondo «os interesses da Casa Barreira à frente dos interesses pessoais». As nacionalizações após o 25 de abril de 1974 implicaram uma significativa perda de património que, entretanto, foi recuperado, mas hoje os desafios são outros, nomeadamente o «envelhecimento do Montado», agravado pelo «esgotamento dos solos» que dificulta o renovo, uma preocupação partilhada por muitos produtores florestais, e que José Maria Guedes olha com bastante apreensão. «Quando recuperámos o património, começa o Montado a ser cada vez menos produtivo», explica José Maria Guedes. «Daí termos que investir noutras áreas complementares, como foi o caso do regadio com olival e pecuária.»
A diversificação das atividades é uma opção para conseguir maior rentabilidade, mas não é a única. Para José Maria Guedes, o foco terá de estar cada vez mais no sobreiro, no fim de contas, a base de uma indústria na qual Portugal é líder, um tesouro que não pode ser menosprezado. O responsável aponta como possíveis caminhos o reforço da investigação para obter espécies geneticamente melhoradas e que possam desenvolver-se com menos água, até para responder às alterações climáticas. «Temos que desenvolver uma planta que cresça, desenvolva e produza cortiça, mas com metade da água. Isto é o principal, assegurar que as plantações tenham sucesso.» Para que isto aconteça, frisa José Maria Guedes, é necessária uma concertação de esforços.
No fundo, unir o Estado e os privados, a academia, a investigação, e o investimento em torno de um objetivo comum. Olhando para o panorama da produção florestal em Portugal, José Maria Guedes aponta a necessidade de criar um «plano nacional para a floresta», que implica «uma mudança de paradigma» e não pode depender, na sua opinião, de medidas isoladas, devendo ser desenvolvido numa perspetiva «multidisciplinar», e também estratégica, «com uma visão a 30 ou 40 anos de distância». «Não se vai conseguir nada enquanto não houver um plano bem delineado a nível nacional que defenda o Montado. Portugal é o principal produtor mundial de cortiça. E isso devia ser defendido pelos nossos governantes. Devia merecer uma atenção redobrada.»
Esperança para o futuro
Apesar dos inúmeros desafios, a paixão pelo Montado e pela cortiça não se extingue facilmente. Para José Maria Guedes, existe esperança para o futuro, que passa pela investigação, o investimento público e a emergência de novas zonas de Montado em território nacional: «Também há ciclos na floresta. Julgo que irão aparecer também novas áreas de montado de sobro, como no Alto Alentejo e na Beira Baixa, onde a precipitação é maior, e vê-se muito renovo nessas zonas, mas o que não pode é arder. Só consigo imaginar uma floresta diferente quando a comunidade científica pegar neste assunto de forma séria, e com um plano florestal nacional bem delineado, e não andarmos com medidas avulso, sem critério.»