Material fora-de-série, que reúne um conjunto de propriedades que nenhum material artificial foi capaz de replicar, a cortiça está em processo crescente de demanda em setores como o da construção sustentável, as indústrias aeronáutica e aeroespacial, a mobilidade, o design, a arquitetura e as artes, o paisagismo, ou o desporto. Por essa razão, apostar na sua investigação e desenvolvimento é apostar no desenvolvimento destes setores mas também, pelas suas características únicas, contribuir para dar resposta aos desafios futuros do nosso planeta. Não é preciso reinventar a roda (ou, neste caso, a rolha). Basta encontrar formas inovadoras de a aplicar.
Miguel Cabral, diretor de Investigação e Desenvolvimento na Amorim Cork, não tem dúvidas. Nos últimos anos, enquanto o mundo se fechava e parecia desacelerar, «houve um salto muito significativo em termos de desempenho das rolhas no que ao TCA diz respeito». Ganhar a guerra contra o composto Tricloroanisol, arqui--inimigo das rolhas de cortiça, continua a ser um dos grandes focos da I&D+i na Amorim Cork. Não só desenvolvendo tecnologias completamente novas, mas aperfeiçoando e otimizando as tecnologias existentes, para aumentar a eficácia, a fiabilidade e a produtividade. O lançamento, em 2021, de Xpür, uma tecnologia de fluido supercrítico, desenvolvida para rolhas técnicas, permite que «qualquer granulado com uma determinada concentração de TCA, seja ela qual for, seja tratado e volte para valores não detetáveis». Assegurando que todo o granulado tem um desempenho de TCA não detetável, a tecnologia garante a qualidade das rolhas técnicas. Atualmente, existem três reatores instalados nas fábricas da Amorim Cork e, até ao final do ano, estarão em funcionamento mais seis reatores. Também no que toca às rolhas naturais, o desenvolvimento tem sido «extraordinário». Através de um processo de dessorção térmica chamado Naturity, lançado em 2021, «as rolhas naturais são tratadas previamente à análise NDtech, e isto implica que o NDtech tenha uma produtividade muito maior porque a rejeição é muito menor», explica Miguel Cabral. Todas as rolhas naturais produzidas na Amorim Cork passam por este processo de limpeza, antes de uma eventual análise individual, rolha a rolha, pela imbatível tecnologia NDtech. E se há algo que caracteriza a inovação é que está em evolução constante. É precisamente isso que acontece com uma tecnologia como a NDtech, lançada em 2014 pela Amorim Cork, mas em «permanente desenvolvimento». Atualmente, os equipamentos instalados atingem uma «produtividade extraordinária» e «resultados excelentes», mas há sempre espaço para introduzir melhorias. Por exemplo, através do desenvolvimento de um novo algoritmo, mais eficaz na deteção de TCA, que permite reduzir o número de «falsos positivos». São sistemas de inteligência artificial e deep learning aplicados ao vedante mais prestigiado do mundo, que não invalidam que se continue a olhar com atenção para a complexa interação entre a rolha e vinho. E a procurar entendê-la através da ciência. Esta é outra das áreas que tem merecido mais destaque na Amorim Cork, e nos últimos anos, a partir da investigação, têm sido publicados inúmeros estudos científicos que projetam nova luz sobre o assunto, tanto no caso dos vinhos tranquilos, como dos vinhos espumantes. A partir das conclusões da investigação, é possível segmentar o portfolio de produtos e oferecer soluções cada vez mais adaptadas a cada vinho. Porque o vedante pode não fazer o vinho, mas terá com certeza um «papel enológico» na sua evolução. E a ciência confirma-o. A cada vinho, sua rolha, e que seja a certa.
Em 2020, altura em que foi preparada a última reportagem sobre Investigação & Desenvolvimento + inovação na Amorim, a Amorim Cork Flooring acabara de lançar o Cork Signature, um programa de soluções para pavimentos, totalmente personalizável, que permitia 17 mil combinações diferentes, a partir de cores, formas, acabamentos, e até formas de instalação. Hoje, Roberto Teixeira, o diretor de Investigação e Desenvolvimento da unidade continua a defender a customização como estratégia de negócio, mas acredita que é sobretudo na diferenciação que está o valor acrescentado da empresa e mais especificamente da cortiça. «Tem que existir uma associação direta [da cortiça] à sustentabilidade mas também a certas características, propriedades e soluções que sejam diferenciadoras no mercado. Estamos a falar de um produto premium, e, portanto, tem que ser bom em todas as componentes, não só na da sustentabilidade e circularidade mas também nas componentes funcionais e estéticas.» Assim sendo, aposta num verdadeiro regresso às raízes, do material e da Natureza, com uma valorização cada vez maior da cortiça e um foco cada vez mais direcionado para a sustentabilidade. Nesta visão, encaixam-se projetos que já se encontravam em desenvolvimento tais como o Dekwall, uma coleção de revestimentos de parede com visuais de cortiça e que está agora a ser trabalhada de modo a suportar uma maior resistência ao fogo; mas também projetos novos, tais como um acabamento inovador que, através de um processo de impressão digital (registered embossing) permite uma impressão realista dos veios da madeira, sem necessidade de utilizar plásticos nocivos ou desperdiçar matérias-primas, bem como um projeto que através da aplicação de vernizes sob a superfície do acabamento permite uma elevada resistência deste material a qualquer tipo de desgaste, em contexto doméstico ou comercial. Transversal a tudo isto, está o compromisso de apostar cada vez mais em produtos sem plástico de origem fóssil (ou petrolífera), continuara investir na economia circular e, até 2024, eliminar a utilização de compostos como o PVC. Também para essa altura está previsto o lançamento de um produto 100% verde que alia a cortiça a compostos renováveis, tais como biopolímeros com origem em resíduos de plantas. Para Roberto Teixeira, a necessidade de investir na inovação para cumprir estes objetivos é clara. «O mundo está em movimento constante, está sempre em alteração e nós temos que estar na vanguarda da inovação para sermos pioneiros no mercado.»
Se em 2020, Corkeen, a solução revolucionária de superfícies amortecedoras de impacto para espaços de jogo, lazer e recreio, era apontada como uma das principais apostas da Amorim Cork Composites, atualmente é difícil destacar apenas um projeto ou até mesmo um segmento no qual a unidade tem vindo a apostar mais. Com aplicações que vão desde a área da mobilidade à energia, aos brinquedos sustentáveis ou à indústria aeroespacial, a constante é apenas uma: a ambição contínua de acrescentar valor à cortiça. Para isso, defende Eduardo Soares, diretor de Inovação, «a inovação não é só fundamental, é parte integrante da nossa estratégia.» Na área da mobilidade, a cortiça responde à necessidade cada vez mais premente de reduzir a pegada de carbono da indústria, surgindo naturalmente como matéria sustentável de eleição pela sua pegada de carbono negativa. Paralelamente, dá resposta a «uma das questões de segurança que mais preocupa os utilizadores e os desenvolvedores de toda a tecnologia elétrica», designadamente, a resistência ao fogo, ao fornecer soluções de isolamento térmico para baterias elétricas – a mesma característica que a leva a destacar-se na indústria aeroespacial como material de eleição para o revestimento de satélites. Na área da energia, por sua vez, destaca-se a utilização na central fotovoltaica flutuante do Alqueva (e futuramente, em novas centrais) de uma solução pioneira que combina cortiça com polímeros reciclados, desenvolvida na i.cork factory, a fábrica-piloto e hub de inovação da Amorim Cork Composites. E se a criação desta mesma fábrica foi um marco importante na história da Investigação & Desenvolvimento + inovação da empresa, a criação do novo departamento ACC Design Studio promete ser um novo hub de inovação e criatividade que irá reforçar a aposta da empresa no design de produto. Também na área do design de produto, e mais precisamente na de brinquedos sustentáveis, este hub continua a dar cartas com a criação de uma marca de brinquedos de cortiça, a Korko, em parceria com a alemã Hape, líder na área dos brinquedos de madeira. Depois do sucesso da primeira coleção que vendeu 100 mil unidades no primeiro ano, foi já anunciada uma nova coleção de três conjuntos disponíveis de building blocks que chega às lojas no próximo Natal. Como pedra basilar de todos estes projetos, estão a sustentabilidade, pilar principal da Corticeira Amorim e, necessariamente, a inovação. Segundo Eduardo Soares, a Amorim Cork Composites é «aquilo a que se chama uma empresa ambidestra. O nosso pé direito é aquilo que sustém a empresa a nível de volume de negócio, ou seja, as aplicações correntes em áreas como a construção, a selagem, os pavimentos…. O lado esquerdo é a parte que está orientada para a inovação. E com a inovação, surgem a investigação e o desenvolvimento como necessidade.»
Para a Amorim Cork Insulation, explica o CEO da empresa, Carlos Manuel, inovar não significa reinventar produto, mas sim «inovar nas suas aplicações. Temos um material 100% natural que responde a todos os argumentos da sustentabilidade» e por isso a aposta é feita não «na melhoria contínua mas em avanço contínuo» deste material com características fora-de--série que é a cortiça. Um processo verdadeiramente dinâmico, a Investigação & Desenvolvimento + inovação no seio desta unidade procura, então, oferecer soluções aos muitos desafios colocados por arquitetos, engenheiros e paisagistas e, simultaneamente, responder a verdadeiros desafios do dia-a-dia das pessoas e do futuro do planeta. Um dos maiores exemplos desta atuação é a solução MDFachada, uma aplicação que revolucionou o sector, em que a cortiça fica bem visível no exterior dos edifícios, e da qual derivaram, atualmente, decorativos com uma seleção de desenhos para os mais variados fins estéticos. Na mesma linha, o aproveitamento de subprodutos do processo de produção em novas soluções para relvados naturais, inicialmente pensado para utilização em estádios de futebol, passou também a ser utilizado nas coberturas ajardinadas dos edifícios ou nos jardins verticais das fachadas dos prédios, permitindo assim reduzir o consumo de água na irrigação, conservar um certo nível de humidade e manter uma variação térmica mínima. Mas a inovação na Amorim Cork Insulation vai muito para além dos domínios da arquitetura e do design de interiores, contribuindo, simultaneamente, para proteger as pessoas e o planeta. Neste sentido, o produto Corksorb, desenvolvido para mitigar os derrames de hidrocarbonetos nos oceanos, provocados por grandes navios petroleiros, está atualmente a ser testado de forma a dar resposta a ainda outra importante questão ambiental: o tratamento de águas. «Já demonstrámos que funciona em situação de desastre ambiental, mas neste momento estamos a evoluir no sentido de para além de resolver um problema de derrame, conseguir fazer com que a água seja límpida e reutilizável», explica Carlos Manuel. Para dar resposta ao risco de incêndio mas também às alterações climáticas, surge ainda o sistema de vaporização de paredes, que consiste na aplicação de cortiça em paredes exteriores com um sistema tecnológico que administra água quando há um dia de calor muito acentuado ou até mesmo em caso de incêndio. Desta preocupação ambiental faz igualmente parte a aposta contínua na circularidade. «Nos últimos tempos, temos reforçado a nossa atividade em termos de reciclagem no sentido de nos integrarmos em pleno na economia circular».
Na Amorim Florestal, a I&D+i é já uma área tão desenvolvida que nos últimos anos se dividiu em diferentes ramos de modo a dar uma resposta mais especializada a cada um. Por um lado, a investigação florestal propriamente dita, que por sua vez se divide em três áreas distintas, por outro a inovação industrial, mais focada nos processos e no produto. Dentro da investigação florestal, José Pedro Fernandes, diretor de I&D+i na área da Investigação Florestal Fundamental, explica as diferentes «linhas de ataque»: em primeiro lugar «um gabinete de apoio florestal destinado a responder e prestar apoio às mais diversas questões relacionadas com a floresta.» Em segundo, «uma vertente de Investigação Florestal Aplicada, isto é, tudo aquilo que pode ser feito no terreno em termos de novas plantações ou modelos de plantação, sistemas de apoio à instalação, sistemas de irrigação controlada, sistemas de fertilização, novos modelos de gestão do montado ou modelos de agricultura.» E, por fim, a Investigação Florestal Fundamental, à qual se dedica e que descreve como «a vertente mais académica.» As três integram o Projeto de Intervenção Florestal (PIF), lançado em 2013, que assenta num pilar fundamental da inovação nesta unidade: semear o amanhã hoje. Este, conforme explica José Pedro Fernandes, surge da constatação de um problema de garantia de viabilidade em novas instalações de sobreiros. «Hoje em dia temos instalações de sobreiros com taxas de mortalidade superiores a 50% e sem qualquer garantia de crescimento, de produção de cortiça e, por isso, de viabilidade. Por essa razão, entendemos que devíamos implementar um programa de seleção e melhoramento de sobreiros que permitisse selecionar plantas existentes no nosso montado com características premium que as distinguem das demais e propagá-las.» Dessas características fazem parte atributos como um crescimento mais rápido, uma melhor formação da planta ou uma maior produção de cortiça, mas também uma maior resistência às pragas e doenças existentes no montado e, cada vez mais importante, uma maior resiliência face às alterações climáticas. Assim sendo, através da seleção fenotípica no montado de árvores que possuam estas características, desenvolveu-se um programa de propagação destas plantas em conjunto com uma empresa de biotecnologia e um órgão de investigação de uma universidade (entre várias com as quais se estabeleceram protocolos). A par deste programa, e para compensar o facto de o sobreiro ser uma árvore de crescimento lento, decorre ainda um trabalho de análise genética e molecular que permite identificar e selecionar marcadores moleculares específicos associados a cada uma destas características, e assim fazer uma seleção e validação antecipada destas plantas. Assim se planta o futuro na Amorim Florestal permitindo produzir e fornecer às novas instalações e plantações sobreiros de qualidade, com uma garantia diferenciada de crescimento e de sobrevivência, garantindo igualmente mais e melhor cortiça.