O designer português Marco Sousa Santos é uma das figuras mais respeitadas do design nacional. Com um olhar contemporâneo, frequentemente debruçado sobre o quotidiano, é na elementaridade dos materiais e objetos que muitas vezes encontra inspiração. A cortiça não é exceção.
As raízes alentejanas de Marco Sousa Santos fizeram com que conhecesse a cortiça de bem perto, bem cedo. “A minha família é Alentejana e a cortiça estava um pouco por todo lado”, recorda o designer. “Vivendo em Lisboa e passando períodos no Alentejo, tenho como principais memórias da cortiça alguns objetos estranhos e rudes como o ‘cocho’ e o ‘tarro’. Em todo o lado eram usados como utensílios do quotidiano. O tarro para levar gelo para a mesa e o cocho junto à bica de água.” Essa ligação à ancestralidade, aos usos e costumes de um tempo e de um lugar, permanece intacta na abordagem projetual de Marco Sousa Santos. Com Lasca, o conjunto de superfícies de apoio ou de trabalho, com formas orgânicas, que desenhou para a coleção Materia, da Amorim, foi isso que aconteceu. “O conjunto de pedras (ou seixos) de cortiça que desenhei, foi uma espécie de referência ao mais elementar ato de projetar,” explica. “Esses seixos de cortiça simbolicamente lascados representam uma transformação funcional, como que o primeiro momento em que o homem intervém sobre a matéria (a pedra) e a transforma em utensilio (pedra lascada). No caso da cortiça, a mais-valia que prevaleceu foi a da plasticidade do aglomerado do material como matéria esculpida.”
A cortiça é um material com muitas qualidades, especialmente quando pensamos que nenhum material tecnologicamente produzido consegue reunir tantas e tão diversas valências como a cortiça. Mas o que destacar neste material tão completo e versátil? Marco Sousa Santos não tem dúvidas: “A sua natureza plástica e mecânica. Plástica, pela sua textura e superfície ‘quente’ e suave, e mecânica enquanto solução para diversos problemas técnicos, tais como impacto, isolamento, vedante etc.”.
Com uma carreira de mais de três décadas, e um conhecimento profundo do design nacional, Marco Sousa Santos acredita no potencial deste material tão português, mas é sobretudo nas suas características mecânicas, e na adequação entre material e função, que foca a sua atenção. “Apesar de eu já ter desenhado vários produtos de mobiliário e iluminação penso que a cortiça tem sido erradamente usada nesta área. A cortiça deve ser usada mais pelas suas características mecânicas do que formais, pois só nessa perspetiva ela é valorizada e sustentadamente usada. Na perspetiva do "bom design" um material deve ser usado racionalmente e adequadamente ao seu objetivo funcional elementar, … Agora e cada vez mais é um grande desafio para os designers saber usar os materiais.”.
A cortiça nunca deixará de surpreender as mentes criativas e os projetistas, mas é possível que no passado exista já muita informação e inovação. Quando queremos saber qual é o objeto de cortiça que mais o fascina, Marco Sousa Santos regressa de novo ao princípio de tudo: “A rolha, porque é quase como a roda, ou o prego ou a escada. São arquétipos da existência e cultura da humanidade. Sem a rolha e a sua perfeita adequação à preservação do vinho ou do azeite, como seria possível a evolução da alimentação? Seguramente seria diferente, e a cultura do vinho não seria a mesma e isso seria uma enorme perda para a humanidade.”