O encontro entre o designer Lars Beller e um material tão especial quanto a cortiça parecia escrito nas estrelas/inevitável. Afinal, o designer norueguês, um dos mais reconhecidos da sua geração, tem uma predileção especial pelo mundo natural e o seu contributo para o design. Funcionalidade, sustentabilidade e beleza são os princípios que regem a sua prática. E a cortiça, que reúne todos estes atributos, revelou-se uma resposta prodigiosa.
Nesta entrevista Lars Beller conta como surgiu a oportunidade e inspiração para criar os ladrilhos de cortiça Porto e Lisboa para a coleção Beller. Estas peças, que já conquistaram dois prémios nos EUA, estiveram em exposição no showroom da Knoll na NeoCon 2016. O designer destaca ainda as propriedades da cortiça que a tornam na matéria-prima de exceção para diferentes criações.
Tudo começou em janeiro de 2015, quando Benjamin Pardo, vice-presidente executivo da Knoll, me contactou. Tanto ele como Roger Wall, presidente da Spinneybeck, estavam interessados em adicionar produtos de cortiça às coleções da Knoll e da Spinneybeck.
Durante as suas investigações preliminares, depararam-se com alguns dos meus trabalhos anteriores em cortiça, e julgo que pensaram que eu poderia ser a pessoa certa. Reunimo-nos e discutimos várias possibilidades, mas concordamos manter as coisas em aberto até ao nosso segundo encontro, no showroom da Knoll na NeoCon 2015. Foi-me apresentada a coleção completa da Knoll e da Spinneybeck, o que foi verdadeiramente inspirador.
Spinneybeck é sinónimo de pele da melhor qualidade, mas também estão rapidamente a ganhar terreno no mundo dos produtos acústicos sob medida e revestimentos de parede. Trabalhar com som e absorção de som parecia ser o desafio perfeito, e eu sabia, por experiências anteriores, que a cortiça podia ser uma excelente escolha.
A ideia de usar cortiça moldada como ponto de partida para uma linha de ladrilhos acústicos ocorreu-me depois de visitar a ACC, no final daquele ano. Foi incrível ver a dimensão das operações da Amorim e ver todo o processo, desde o descortiçamento à embalagem de produtos de consumo acabados. Eu estava particularmente curioso acerca do processo de moldagem, o que eventualmente terá levado à ideia de uma linha de ladrilhos de parede.
A cortiça é um material incrível e a lista das suas propriedades únicas torna-o num material quase bom de mais para ser verdade. O interessante é que não é apenas o material em si que é amigo do ambiente – todo o processo, desde a extração ao processamento e fabrico foi adaptado de forma a ter o menor impacto possível na natureza. Mesmo as mais ínfimas poeiras da cortiça acabam por ser utilizadas como combustível para a alimentação de parte das instalações.
Eu tento incorporar sempre um aspeto de inovação e sustentabilidade em todos os meus projetos, e esta é, talvez, também a razão pela qual escolhi trabalhar com cortiça em várias ocasiões no passado. O que é surpreendente na cortiça é que é totalmente compatível com a produção em massa na maioria das suas formas, e estou convencido de que vamos ver inúmeras novas e inovadoras utilidades para este material no futuro.
Acredito piamente que é nossa responsabilidade como designers criar produtos que resolvam os problemas existentes, sem criar novos. Esta é a única forma sustentável de introduzir um novo produto no mercado. Temos de pensar em todo o ciclo de vida de um produto, da origem ao destino final. Esta devia ser a regra, não a exceção.
Uma das coisas que eu acho mais fascinante na cortiça é que, em muitos aspetos, funciona como um material viscoelástico muito denso. Retoma sempre a sua forma original após ter sido submetida a uma pressão mecânica. Esta característica única é conferida pela sua icónica estrutura celular hexagonal, que também permite ao material armazenar energia. É realmente notável a forma como uma rolha consegue manter uma vedação estanque numa garrafa de vinho durante mais de cem anos.
Tentei fazer uso desta característica em particular em vários projetos, mas talvez seja mais evidente na solução de encaixe "snap-on", com patente pendente, que concebi para a Coleção Beller. Os ladrilhos são fixados numa calha de alumínio extrudido exatamente com a força que é necessária para os encaixar. Esta força permanece mais ou menos constante até que o ladrilho seja removido. Invenções minúsculas como esta dão-me imensa alegria e inspiração.
É quase impossível escolher a minha segunda caraterística favorita, pois são todas igualmente excelentes. A cortiça é leve, impermeável a líquidos e gases, absorve o som, é um excelente isolante, é ignífuga, a lista continua...
Os ladrilhos Porto são realmente inspirados em superfícies industriais e na arquitetura encontrada na cidade do Porto; variando de tetos de fábricas e telhados de aço ondulado a portas e janelas de dobrar enferrujadas.
Os padrões e superfícies parecem-nos familiares, criando o perfeito pano de fundo neutro, tanto para espaços pequenos como para grandes. É importante para mim ter a certeza de que os meus projetos podem coexistir com a arquitetura, os objetos e a natureza de forma harmoniosa, e eu acredito piamente que o tempo em que tudo e todos gritam por atenção está a chegar ao fim.
A linha Lisboa é inspirada no traçado singular da área da Baixa, no centro de Lisboa. O emblemático traçado quadrangular foi construído em meados do século XVIII, quando a cidade foi reconstruída a partir das cinzas. Também encontrei inspiração nas obras do grande Oscar Niemeyer.
Devo admitir que me apaixonei por Portugal, pelas suas deslumbrantes belezas naturais, comida requintada e pessoas generosas. Dar às coleções os nomes das duas maiores cidades deste grande país foi talvez a decisão mais fácil que tomei até agora na minha carreira.
Eu penso que a moldagem é uma excelente alternativa à maquinagem, pois é mais eficiente, o acabamento é superior e utiliza menos matéria-prima.
É realmente interessante fazer parte de uma equipa que está a tentar levar essa tecnologia ao próximo nível, com um maior grau de precisão e automatização. Estamos também à procura de novas formas de aumentar o desempenho técnico dos materiais.
A receção à coleção Beller excedeu todas as minhas expectativas. Já conseguimos dois prémios importantes nos EUA e o feedback de arquitetos, rede comercial e designers tem sido excelente.
A coleção foi lançada na NeoCon no ano passado, e foi ótimo experienciar em primeira mão a reação dos visitantes aos produtos. Penso que cerca de três em cada quatro visitantes não conseguiam resistir a tocar nas peças ao caminhar pela sala de exposições cheia de gente, e eu vejo isso como o derradeiro sinal de aprovação. Acredito sinceramente que os seres humanos beneficiam da interação diária com materiais naturais, e a cortiça é, sem dúvida, um excelente complemento à minha receita alternativa de "5 interações por dia".
O apoio prestado pela Amorim é inigualável. É uma excelente equipa que vai mais além para alcançar algo que é aparentemente impossível. É um prazer trabalhar com pessoas que têm tanto orgulho no que fazem, e que oferecem um serviço e um produto que são verdadeiramente amigos do ambiente.