Joaquim Amorim, 83 anos, é o mais novo dos quatro irmãos que, a partir dos anos 1950 do século passado, assumem o comando da Corticeira Amorim numa fase decisiva do desenvolvimento do grupo. Depois de passar por França e Inglaterra, rumou ao Brasil para gerir os negócios do grupo, e aí ficou até 1966. De regresso a Portugal, motivado por uma curiosidade intrínseca e alegria de viver, continuou a viajar pelo mundo, numa aprendizagem constante de que muito se orgulha. Um testemunho vivo, e emotivo, dos últimos 60 anos da história do grupo.
“Eu, Joaquim Amorim, fiz parte de um grupo de quatro irmãos, que, com o apoio de toda a gente, da família, dos amigos, da equipa comercial e industrial, conseguimos levar as coisas onde estão hoje.” recorda Joaquim Amorim, o mais novo dos quatro irmãos, que, a partir dos anos 1950, tomam conta dos destinos da Corticeira Amorim transformando-a no líder mundial da indústria da cortiça. “Logicamente, o líder desses quatro irmãos era o meu irmão Américo, que dizia ‘Faz-se’. Se ninguém fizesse ele fazia, e era sempre em benefício de todos.”
Se Américo Amorim era inegavelmente um homem de ação, Joaquim era movido por uma curiosidade inata. “Aprender” é a palavra que mais repete ao longo de uma conversa em que revisita alguns dos momentos mais marcantes da sua passagem pelo grupo, com emoção e gratidão.
“Andei na escola primária de Mozelos, daí passei para a Escola Comercial do Porto, onde fiz o curso durante quatro anos. Até lembro das disciplinas: português, francês, inglês, geografia, caligrafia, estenografia, matemática, álgebra e comércio mundial. Em 1954, quando terminei o curso, um senhor francês, da Charles Duvicq et Fils, cliente da Amorim & Irmãos, convidou-me para ir para França, onde tinha fábricas de cortiça, perto de Bayonne. Como eu era o mais novo dos irmãos, fui. Fui a 14 de julho, o dia da tomada da Bastilha, e fiquei até dezembro. Foi um grande estágio. Tinha total liberdade para circular pela fábrica, pelos escritórios, e aprendi muito. Acompanhava-o nas visitas a clientes, enquanto ele negociava. Aprendi muito sobre a cultura francesa, sobre a rolha.”
Joaquim Amorim tinha 18 anos e naquela época sair de Mozelos e ir para França não era para todos. Mas teve essa oportunidade e agarrou-a. Foi uma escola maravilhosa. Este era apenas o princípio de uma vida rica em viagens e descobertas, sempre girando à volta da cortiça.
“Entretanto, em janeiro de 1955 regressei a Portugal.” Mas não por muito tempo. Foi para Inglaterra aprender a língua e fazer um curso comercial em Cambridge. Ficou a viver em Guildford, a sul de Londres. “Nessa escola onde estive havia pessoas de todas as partes da Europa. Franceses, Italianos, Espanhóis. Havia aulas para todas as línguas, e como eu já sabia francês, até o chamado ‘patois’ (vernáculo), fiquei no grupo dos franceses, e foi com eles que convivi nesse tempo, apesar de estar em Inglaterra.” Em Inglaterra, Joaquim Amorim aprende o inglês, e toma contacto com toda a cultura do “commonwealth” britânico.
Em 1960, os irmãos mais velhos desafiam-no a ir para o Brasil, para tomar conta dos negócios da família. Joaquim Amorim chega a São Paulo, uma cidade de dez milhões de habitantes onde não conhecia praticamente ninguém, e aí fica até 1966, estabelecendo fortes laços comerciais e de amizade, que ainda hoje, passados 50 anos, se mantêm vivos, como por exemplo, com os fundadores da firma Cereser, líder de mercado de cidras e espumantes no Brasil.
Na véspera do Natal de 1966 Joaquim Amorim regressa a Portugal e integra-se em pleno na empresa liderada pelo quarteto de irmãos. É um período que dedica ao conhecimento profundo da cortiça na sua origem: o Montado. No Alentejo, vai aprender com as pessoas, observando, ouvindo, e “contactando com este e com aquele”, visitando as fábricas do grupo em Portugal, descendo até Silves para mergulhar na indústria.
A partir de 1970, acompanhando a internacionalização do grupo, o caminho que trilha no seio da empresa assume uma vertente mais comercial. Joaquim Amorim capitaliza o conhecimento que tem de outras línguas e acompanha as equipas comerciais em visita a clientes no estrangeiro. Estes périplos levam-no aos quatro cantos do mundo, Japão, Austrália e China, por exemplo, onde acompanha a delegação de Mário Soares numa visita a Macau.
Com a sua característica jovialidade, recorda todas as paragens de um itinerário que o levou ao Japão, numa viagem de mais de 23 horas: “Porto - Londres, Londres - Dubai, Dubai - Nova Deli, e Nova Deli -Tóquio”, e depois conclui, com uma expressão também muito característica “Tudo bem, não há problema”.
A vida segue sorridente, e Joaquim Amorim parece sorrir-lhe de volta. No Japão, toma contacto com outra língua, outra cultura, outros rituais e até outra forma de fazer negócios. Mais tarde, viajará pela Ásia Central, América Central e do Sul e América do Norte. Em todos estes pontos do globo, tem algo a aprender. Num processo de aprendizagem constante, descobre os contrastes do mundo, as suas misérias, mas também as suas maravilhas. “Lembro sempre das palavras de um escritor brasileiro ‘No país onde fores, adapta-te ou morres!’, e estou completamente de acordo,” frisa. “No Brasil sê brasileiro, em Marrocos, marroquino, na Rússia tenho de ser russo, e acabou-se o problema.”
Livre das responsabilidades mais pesadas, Joaquim Amorim foi porventura aquele que mais liberdade teve para se movimentar como queria. “Dos quatro irmãos eu era o mais pequeno, e como os outros estavam já dentro do grupo, eu era o mais livre” reconhece Joaquim Amorim. “Quando me pergunto o que fiz nestes 60 anos, lembro-me sempre do que dizia o meu irmão Américo - a primeira escola que temos é viajar e conhecer o mundo. E se conhecermos o mundo e soubermos adaptar-nos ao mundo, teremos sucesso. Eu tive essa felicidade de me adaptar ao mundo.”
Ao fazer o balanço dos 150 anos da empresa que os seus avós fundaram, Joaquim Amorim recorda os valores que desde sempre vê espelhados na empresa. “Bom-senso, lealdade, honestidade, gratidão. O sucesso deste grupo resulta de tudo isso. Quando penso na história dos meus avós, como começaram, como foram por aqui, por acolá, penso que lhes devemos uma enorme gratidão. Deram-nos essa educação: trabalho, trabalho, trabalho, e a gente não sabe fazer mais nada.”