Ben Evans, diretor do London Design Festival, conhece a cortiça de perto. Realça a sua sustentabilidade intrínseca, e também a sua expressividade. Em 2013, em parceria com a Corticeira Amorim, coordenou o projeto que levou a cortiça ao museu Victoria & Albert, em Londres, numa instalação assinada pelo estúdio FAT. Nesta entrevista, Evans defende que o futuro da cortiça depende do encontro entre ciência, criatividade e empreendedorismo. E de uma boa estratégia de comunicação.
Bem, a minha primeira interação com a cortiça aconteceu porque tínhamos mosaicos de cortiça em casa, na casa de banho. No Reino Unido, nos anos 70, a cortiça estava bastante na moda enquanto material de revestimento, para utilizar em diferentes divisões. Na nossa casa, o pavimento de cortiça era castanho escuro e era muito agradável e confortável caminhar sobre ele, foi usado numa das casas de banho da nossa casa de família, durante muitos anos.
Essa foi a primeira vez que percebi que a cortiça podia ser usada de maneiras diferentes, para além das rolhas. E depois, voltei a ver cortiça numa das exposições que a Amorim fez em Lisboa, na qual a minha mulher (Amanda Levete) participou, ou talvez até antes, naquela exposição com curadoria da experimentadesign.
Sim, aproximadamente. E antes disso, houve aquela exposição em Milão, no Salone (Lançamento da coleção Materia, 2010), Nessa altura tomei consciência do potencial de um material que podia ser usado de tantas e tantas maneiras. Percebi que havia uma oportunidade para fazer algo muito mais criativo do que alguma vez teria imaginado.
Sim. Começámos o London Design Festival em 2003, e em 2007 fizemos a nossa primeira instalação. Na verdade, foram duas, uma com betão e outra com Corian®. Aí começou toda uma viagem, onde o objetivo era explorar o design e a criatividade através de diferentes materiais. Eu já tinha a consciência que era importante, para os designers, experimentarem e expressarem-se, procurando novas soluções de design através da utilização de diferentes materiais. Por isso, era muito entusiasmante descobrir outro material com o qual podíamos brincar para ver o que podíamos fazer com ele. E era essa ambição que eu queria realizar. Conheci a Cristina (Amorim) e o presidente, António Rios de Amorim, e vim conhecer a empresa, e aí começou uma viagem que nos levou ao primeiro projeto que fizemos juntos, no museu Victoria & Albert.
Claro, completamente. Porque de uma certa forma o projeto inspirava-se numa experiência da minha infância, porque a minha memória, a minha experiência da cortiça – e a de muitas pessoas – era precisamente enquanto material para pavimentos, e pensei, porque não reinventar esta ideia? Porque não repensar esta ideia e mostrar o que acontece quando juntamos um ingrediente mágico, chamado design, mostrar tudo o que podemos fazer com este material.
Bem, eu acho que já fiz mais coisas com cortiça do que ela (risos).
A Amanda integrou o projeto Metamorphosis e criou uma peça, que consistia em interligar módulos de cortiça, que, quando juntos, formavam uma parede de cortiça. E tenho visto essa peça sobretudo num contexto de design, mais do que arquitetura. E penso que terá sido o único projeto que fez com cortiça, um projeto que lhe deu muito prazer fazer. Mas em termos de design creio que estamos apenas no princípio, há muito para fazer.
É apenas o princípio de um caminho muito, muito mais longo, já que, como sabe, planeamos fazer algo juntos este ano.
Antes de falar sobre o projeto, interessa-me pensar na relação com a cortiça enquanto material e com esta empresa. Aquilo que fazemos é procurar oportunidades para que as peças possam surgir. E se conseguirmos fazer isso no momento certo, então “bingo!”, temos um excelente projeto que podemos desenvolver. Podemos dizer algo novo e expressá-lo de maneira diferente. Por isso, nunca deixo de pensar que pode haver uma nova oportunidade para fazer outra coisa com o material. Estou atento, sigo com um interesse saudável aquilo que vocês fazem e que outras pessoas estão a fazer com a cortiça.
Bem, creio que neste momento o design, porque a cortiça tem vindo a ser utilizada em arquitetura como material de revestimento, em paredes ou pavimentos. No design, claro, há um leque muito maior de formas a explorar, há diferentes escalas que podem ser trabalhadas, e por enquanto, parece ser mais expressivo na sua aplicação. E penso que de alguma forma, no campo da arquitetura, a cortiça acabou por ficar um pouco etiquetada como material de construção ou revestimento, e creio que é um material com muito mais profundidade e potencial. Mas, há outra coisa, o mundo do design e o mundo da arquitetura são inseparáveis. Há um crossover muito fértil entre os dois, e o intercâmbio de ideias é constante. Por isso, de certa forma, falar de design e arquitetura como dois campos distintos é um pouco artificial.
Sim, creio que é um caminho muito mais longo e penso que já há trabalho muito interessante com cortiça, mas ainda não vimos o melhor. Quanto mais pessoas escolherem explorar este material, experimentá-lo nos seus diferentes acabamentos e aplicações, mais coisas realmente fantásticas vamos ver com a cortiça.
Bem, uma palavra que usou e que é absolutamente fundamental é sustentabilidade. A grande vantagem da cortiça é que é um material completamente sustentável. Estamos agora num ponto de viragem no mundo do design e no mundo criativo, onde se torna cada vez mais difícil fazer algo que não seja sustentável. O ponto de partida de qualquer desenvolvimento de produto novo é considerar as suas dimensões de sustentabilidade, e aqui temos um produto 100% sustentável. Creio que isto dá à cortiça uma vantagem impressionante. Por isso esta viagem tem um ponto de partida muito, muito positivo. Por outro lado, penso que as pessoas estão a começar a perceber o alcance e a profundidade da cortiça. Quando vim a Portugal conhecer a cortiça, aprendi que há variações na cor, em termos de densidade, nas aplicações, há toda uma ciência à volta de como pode ser utilizada. Por isso há muito mais margem para que a cortiça seja utilizada em diferentes aplicações. Por isso, o que queremos fazer nos próximos 10 anos e seguintes é encorajar ao máximo a utilização da cortiça, até porque podemos descobrir alguma coisa nesta viagem que ainda não sabemos.
Sim, penso que têm de estar abertos a ideias, que sem dúvida estão, e devem continuar a fazê-lo. Devem estar abertos a criar parcerias, por vezes de formas bem inesperadas, porque parece-me que existe uma dimensão científica da aplicação do material, uma dimensão criativa, e também uma dimensão de empreendedorismo, e as parcerias permitem unir tudo isto. Creio que isto permite expandir as possibilidades de aplicação do material. Penso que também existe toda uma dimensão de comunicação muito forte. Julgo que ainda existem muitas pessoas que não conhecem o potencial deste material. Uma das coisas que fazemos no festival – o ano passado tivemos um milhão de visitantes individuais – é procurar que as pessoas fiquem entusiasmadas com o que vêm, mas sobretudo que no dia seguinte se lembrem do que viram e possam falar a outras pessoas sobre isso. Se conseguirmos plantar essa semente nas mentes de muitas mais pessoas, sobre este material, como é entusiasmante e todas as oportunidades que tem, então vamos criar verdadeira tração, vamos criar um autêntico progresso no sentido de tornar a cortiça um material muito mais universal.
Bem, trabalhamos numa série de projetos todos os anos, onde tentamos contar uma nova história sobre design, e há uma série de ingredientes nestas instalações. O primeiro ingrediente é a ideia, depois o designer que a desenvolve, o terceiro é o parceiro que a torna possível e o quarto é a localização. Temos este projeto de uma ideia para uma estufa. Vamos construir uma estufa numa área de Londres, Stratford, que será o novo distrito cultural da cidade, queremos ter uma atividade de horticultura nesta estufa. Queremos que as pessoas possam visitar a estufa em diferentes alturas do ano para viver a experiência. E é por isso que estamos a trabalhar com a Amorim, e com Kew Gardens, que são um centro internacional importantíssimo em termos de horticultura. Sem dúvida o mais importante no Reino Unido. Estou extremamente contente que se tenham associado a este projeto, porque vai permitir-nos criar uma instalação realmente viva, cambiante, uma instalação que respira. Será uma nova experiência para nós. Por isso achamos que vai ser muito entusiasmante.
Ben Evans CBE é o diretor do London Design Festival, que co-fundou com Sir John Sorrell, em 2003. O Festival celebra e promove Londres como a capital mundial do design e inspira eventos semelhantes em muitas cidades internacionais. É um acontecimento anual que envolve 400 organizações parceiras e atrai quase 1 milhão de visitas individuais.
Além de gerenciar o Festival, Ben inicia, comissiona e organiza projetos para o evento, incluindo uma residência anual no Museu V&A. Em 2016, adicionou uma nova atividade - London Design Biennale - onde países, cidades e territórios apresentam instalações de design de acordo com uma temática definida, que toma conta de toda a Somerset House, por três semanas. Ben Evans é o diretor executivo da Bienal.
Foi governador da Universidade das Artes de Londres, membro do conselho da Roundhouse e administrador da Artangel. Desde 2017, Ben é presidente do Mayor’s Cultural Leaders Board - um grupo consultivo estatutário do Mayor de Londres. Em 2010, recebeu um diploma honorário do Royal College of Art, onde se graduou, em 1989.
No aniversário de 2019 da rainha, foi nomeado Commander of the Order of the British Empire (CBE), pelo seu contributo às indústrias criativas.