Queria estar perto da terra onde nasceu, o Douro, e por isso estudou agronomia. Há duas décadas na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, Ana Mota é Diretora de Viticultura e Produção das duas propriedades vinícolas do grupo Amorim, no Douro e no Dão. Vinte vindimas depois, mantém o mesmo respeito pela terra e o mesmo amor pelo vinho, e um conhecimento profundo dos terroirs únicos cuja identidade ajuda a preservar.
Desde a minha adolescência, teria eu 14 anos, que sabia que queria trabalhar em algo que estivesse ligado à terra. Sou natural do Peso da Régua, no coração do Douro, e sempre soube que não queria sair daqui, por isso quis seguir um curso ligado à vinha e ao vinho. E assim foi, fiz Engenharia Agronómica para poder arranjar emprego e organizar a minha vida no Douro. Começou por aí, porque ninguém da minha família tem ligação à vinha e ao vinho.
Eu sou uma pessoa muito ligada às minhas raízes, uma pessoa muito de família. Por isso, não queria ficar longe dos meus pais e dos meus avós. Eu sou aventureira, mas q.b. Preciso de sentir que o meu chão está ali, e que ali tenho o meu porto seguro. Eu queria viver mesmo no Douro, perto da minha família. Mas foi uma grande luta com os meus pais, porque eles não acreditavam que o curso que eu estava a fazer tivesse futuro. Mas como sou um bocado teimosa, insisti.
Para mim, a cortiça era rolha. Ponto. Mas tenho uma história engraçada. Eu trabalhava na Real Companhia Velha, e nessa altura contactou-me o Dr. António Carlos, que era Diretor de Recursos Humanos do Grupo Amorim. Eu respondi que não sabia nada de rolhas, porque era responsável pela vinha e não pelo vinho, e se o assunto era as rolhas, teria de falar com os enólogos. Aí, ele explicou-me que queria mesmo falar comigo, porque a Quinta Nova estava à procura de um técnico! Mas esta é apenas uma curiosidade. Sendo eu da área agrícola, toda a parte da natureza e da sustentabilidade está inata em mim. A cortiça é um material que sempre me apaixonou, que acompanho e que eu sempre identifiquei com a Amorim. Rolhas são Amorim, ponto.
Sem um bom conhecimento da viticultura que temos em mãos e sem uma boa gestão da mesma, não se consegue ter boas uvas para os perfis de vinho que queremos produzir. Há vinhos que são muito genuínos, como é o caso dos vinhos da Quinta Nova e da Taboadella, em que nós tentamos o mais possível transpor tudo o que a uva tem de bom para dentro da garrafa, com o mínimo de intervenção dentro da adega. Como costumo dizer em tom de brincadeira, “Há a Quinta Nova e a Taboadella e os outros” (risos). Há muitas empresas que trabalham ao nosso estilo, mas também muitas outras que fazem muita engenharia enológica, e vinho com muita intervenção a vários níveis. Vinhos que levam produtos que lhes vão conferir aromas, cor, taninos, o que for. Agora, não são produtos naturais, não vêm da uva, e logicamente o resultado final não será o mesmo, a longevidade do vinho não será a mesma, nada é igual. Na Quinta Nova, desde que cheguei, há 20 anos, trabalhamos na adega vinificando tudo por parcelas, separadamente (temos 41 parcelas individualizadas), o vinho estagia separadamente e só se fazem os lotes no final antes do vinho ir para a garrafa.
Temos 41 parcelas, cada uma individualizada e com características diferentes e formas de granjeio diferenciadas. Tudo é feito, executado e pensado em função dos nossos objetivos em termos de vinho. No fundo, garante-se que a identidade de cada vinho está assegurada, porque sabemos exatamente quais são as uvas e de que parcela vêm. Tentamos, ano após ano, assegurar o máximo de equilíbrio e de continuidade possível. Embora o ano tenha influência, a Quinta Nova, e agora a Taboadella, tem muita consistência, e isso deve-se a essa precisão que temos na viticultura e que nos acompanha para dentro da adega.
O meu coração neste momento está dividido (risos). Estou neste projeto deste o princípio, e logo no início a Dra. Luísa Amorim pediu-me que lá fosse dar a minha opinião sobre a quinta. Confesso que entrei e fiquei imediatamente apaixonada por aquele pedaço de vinha. A quinta é lindíssima, num enclave rodeado de floresta, 40 hectares de vinha toda junta, é fantástico. A vinha estava realmente bastante descuidada, mas havia muita vinha recuperável e outra que teríamos de substituir. Também visitamos a adega, que tinha muito pouca tecnologia, não estava sequer pintada. Fui lá com o enólogo, provamos os vinhos que ali se faziam e percebemos que havia ali um potencial extraordinário. E foi isso que transmitimos. A nossa opção foi vinificar tudo separadamente (são 25 parcelas) para perceber o terroir daquelas uvas. E assim fizemos, lançando uns primeiros vinhos que se chamavam “Estudos” porque eram de facto um estudo das parcelas e das castas da quinta. Foi muito bom para perceber o desenrolar da Taboadella. Em 2020, já vinificámos na nova adega, seguindo os mesmos pressupostos. E agora aí estão no mercado os vinhos da vindima de 2018 com muito boa aceitação. Como resultado dessa vindima, substituímos castas na quinta para responder ao princípio de só ter castas nacionais e DOC.
A casta Touriga Nacional, que é a casta rainha no Dão, mas também o Alfrocheiro, uma casta à qual estamos rendidos pela sua vertente aromática que é realmente fabulosa. E outras castas, como a Jaen, que na Taboadella tem um cunho muito especial, e também uma área de Baga, que apesar de muita gente achar que é uma casta da Bairrada, na verdade tem origem no Dão.
A rolha tem muitos contributos, não é só um. É de senso-comum falar no ritual da abertura de uma garrafa, é um gesto muito bonito, que atrai todos os olhares numa mesa, sejam pessoas da área ou não. Este é o lado da sociabilização. Depois em termos técnicos, a rolha de cortiça é realmente um vedante que interage com o tempo, com o ambiente e com a evolução do vinho. Todos os outros não interagem. E isso é uma grande mais-valia.
Todos os anos temos de nos adaptar em alguma coisa, porque as alterações são evidentes. Posso dizer-lhe que na Quinta Nova tínhamos muita erosão e logo no início adotamos um sistema de enrelvamento que permite que a água se infiltre e não escorra, mantendo os patamares, ao mesmo tempo que criamos um habitat natural para a fauna e a flora autóctones. Isso faz com que na Quinta Nova não se usem herbicidas, porque ao cuidar do solo temos todos os micro-organismos benéficos que controlam a população dos organismos maléficos na vinha. Depois adotamos outras medidas, como não fazer desfolha, ter podas muito controladas e outras técnicas muito antigas, anteriores à mecanização, que replicamos hoje para proteger a vinha.
Por outro lado, no Douro somos das poucas quintas em que não fazemos tratamentos só porque sim. Tratamos a vinha num esquema de produção integrada (e em breve biodinâmica também) em que temos uma monitorização constante a partir da nossa estação meteorológica. Isso permite-nos saber se houve infeção na vinha e curá-la. Trabalhamos não com produtos preventivos, mas sim com produtos curativos. Ou seja, há menos intervenções, menor impacto.
E pela planta em si. Acabamos por ter intervenções mínimas na planta, conseguindo melhores produções, com melhor qualidade, e plantas que vão viver mais anos. E na vinha isso é muito importante. Porque uma videira com 15 anos, com 30 ou com 45 ou 60 anos dará qualidades completamente diferentes. É como a sabedoria nas pessoas. Vai-se ganhando maturidade, com menos quantidade e maior qualidade. No nosso projeto a qualidade é a essência, é primordial. Como gosto de dizer: “A vida é demasiado curta para se beber maus vinhos”.