Fotografia - Carlos Ramos
A primeira é, eventualmente, muito normal para alguém de nacionalidade portuguesa, principalmente para quem gosta da natureza como eu. O contacto directo com os sobreiros faz parte das minhas memórias de miúda - o perceber que a cortiça vem daí, de a ver ainda na árvore e depois, às vezes, de a encontrar solta, pelos campos. Mais adulta, há uma memória que me marca imenso e que mudou a minha percepção deste material relativamente à sua aplicação na área da arquitectura. Foi uma visita a uma casa no Lago Maggiore, na Suíça, desenhada pelo arquitecto americano Marcel Breuer nos anos 60. A casa é toda em pedra, vidro e madeira, algo que se percebe do exterior. Mas quando entrei lá dentro a atmosfera da casa era distinta do que eu estava à espera, diferente, com um som e aroma únicos, confortável e calorosa. Quando olhei para o tecto, percebi que Breuer o tinha revestido com mosaicos regulares, espessos, feitos de 100% de cortiça natural, escura. Essa opção modificou toda a casa em imensas dimensões, para muito melhor, algo que nunca mais me esqueci.
Primeiro o facto de ser natural e sustentável - uma prioridade absoluta para toda humanidade. Depois a sua textura, suave aroma, conforto e as suas capacidade de mudar de forma através da compressão, de repelir a água, de proteger. Estamos a falar de um material que um tipo específico de árvore, o sobreiro, produz para se proteger, para se tornar mais resistente. E do facto de o podermos utilizar sem que isso prejudique a árvore, pelo contrário. E isso é maravilhoso.
Todas. Desde a impermeabilidade e isolamento térmico e acústico à sua resistência ao fogo, a temperaturas elevadas e à fricção. A sua elasticidade, compressibilidade e resiliência. O facto de ser hipoalergénica, confortável e suave ao toque. Repare, é uma lista de características imensa, todas importantes para o exercício do design de equipamento e de produto e da arquitectura. Estamos no século da sustentabilidade e da mobilidade, no século em que somos obrigados a desenhar artefactos, edifícios e cidades flexíveis, adaptáveis, resilientes, confortáveis, que interajam emocional e intelectualmente com o nosso corpo. A cortiça, enquanto material, traz-nos essas dimensões para a cultura de projecto.
Ainda me surpreende o impacto físico que tem sobre mim. Consigo sentir quando a cortiça está presente num local, quando está a ser usada. Impressiona-me imenso, isso. Os projectos que menciona, primeiro o Metamorphosis, depois a MATERIA foram, penso eu, verdadeiras alavancas para um uso inovador da cortiça e despertaram a atenção de milhares de criativos pelo mundo fora sobre este material. Lembro-me bem do dia em que o CEO da Corticeira Amorim, António Amorim, foi ter comigo em 2006 à Casa da Música, onde eu era Directora de Design Estratégico e Comunicação, e me desafiou a pensar em como explorar o potencial deste material que, na altura, poucos arquitectos e designers usavam. E quão fiquei surpreendida quando aprendi tudo sobre a cortiça. O City Cortex, que vai ser apresentado em 2021 em Nova Iorque, vai levá-la para contextos urbanos e vai aproximá-la das pessoas, de formas muito estimulantes e positivas. Tenho estado a acompanhar o desenvolvimento destes novos projectos e sim, também neles, me surpreende a forma como a cortiça está a responder à imaginação dos arquitectos e designers. A cortiça é um material “vivo”, cada pedaço é irrepetível e isso torna-o único e eternamente surpreendente.
A cortiça é um material sustentável que não é artificialmente produzido pelo ser humano, não depende de um processo de criação industrial para acontecer. Está aliada a um sistema que é por si só renovável, reciclável e reutilizável, sendo por isso verdadeiramente amigo do ambiente. Os montados - florestas de carvalhos, azinheiras, castanheiros e sobreiros - contribuem activamente para o equilíbrio do ecossistema mediterrânico, são um dos 36 hotspots mundiais de biodiversidade, onde mais de 200 espécies de fauna e 135 de flora encontram as condições ideais para a sua sobrevivência neste habitat, contribuindo para combater os problemas climáticos activamente. Tudo isto faz uma enorme diferença.
É excelente um material fazer parte da identidade de um país. Neste caso, cortiça e Portugal são um binómio inseparável. Mas é ainda mais extraordinário poder expandir essa identidade à escala global. E é o que se está a fazer, desde os primórdios da utilização da cortiça em rolhas até agora em revestimentos, naves espaciais e objectos do quotidiano. Essa ponte faz-se porque o material em si e a forma como a nossa indústria o desenvolveu confirmaram o seu potencial enquanto material de eleição para a sociedade em geral, para a humanidade. Nascemos em sítios diferentes, somos todos indivíduos com características únicas, mas em inúmeras frentes somos todos iguais. Em todos os sítios do mundo procuramos segurança, conforto, flexibilidade, bem estar físico e mental, resiliência. E a cortiça ajuda a providenciar isso. Quando bem desenhada e usada, claro.
Não posso deixar de começar pelo princípio, que é a rolha. Tão simples, tão eficaz, tão positiva para o líquido que protege. Um vinho só é um bom vinho com uma rolha de cortiça, na minha opinião. Confesso que tenho particular apreço pelas utilizações da cortiça em espaços privados ou públicos quando esta contribui para a melhoria das suas condições acústicas e da sua temperatura; quando esta é usada em pequenos objectos que substituem equipamentos ou objectos de plástico ou de outros materiais menos sustentáveis; confesso também, embora não possa dar detalhes, que o que estamos a desenvolver com o City Cortex trará algumas novas e notáveis aplicações para as cidades, onde precisamos de tanta qualidade na área dos espaços urbanos públicos ou semi-públicos.
A Corticeira Amorim tem feito um trabalho ímpar no desenvolvimento de várias e novas soluções em que a cortiça é utilizada. Tem convidado alguns dos maiores criativos e investigadores do mundo para com eles expandir as conquistas industriais que tem efectuado. Essa dinâmica vai seguramente continuar mas algo de maravilhoso vai acontecer, com mais expressão, dentro de muito pouco tempo, alicerçado na ideia de user innovation. Ou seja, quanto mais próxima e conhecida de todos a cortiça se tornar, quantos mais souberem sobre o seu valor e características, mais inovação vamos ter. Vinda das áreas menos esperadas, através do real contributo dos utilizadores, que têm em si, uma tremenda capacidade criativa. O facto de o mundo em geral estar finalmente consciente da necessidade da sustentabilidade vai levar a que as pessoas em geral prestem mais atenção aos materiais sustentáveis. E o “do it yourself” vai contribuir para expandir o uso deste material único, que tanto tem ainda para nos dar.